terça-feira, 31 de agosto de 2010

Essa Mulher


Interpretação de Elis Regina:



De manhã cedo, essa senhora se conforma
Bota a mesa, tira o pó, 
lava a roupa, seca os olhos
Ah, como essa santa não se esquece
De pedir pelas mulheres,
pelos filhos, pelo pão
Depois sorri meio sem graça e abraça
Aquele homem, aquele mundo
que a faz assim infeliz.

De tardezinha, essa menina se namora
Se enfeita, se decora,
sabe tudo, não faz mal
Ah, como essa coisa é tão bonita
Ser cantora, ser artista,
isso tudo é muito bom
E chora tanto de prazer e de agonia De algum dia, qualquer dia, 
entender de ser feliz.

De madrugada, essa mulher
faz tanto estrago
Tira a roupa, faz a cama,
vira a mesa, seca o bar
Ah, como essa louca se esquece
Quantos homens enlouquece
nessa boca, nesse chão


Depois parece que acha graça e agradece 
Ao destino, aquilo tudo 
que a faz tão infeliz. 
Essa menina, essa mulher, essa senhora 
Em que esbarro a toda hora 
No espelho casual 
É feita de sombra e tanta luz 
De tanta lama e tanta cruz 
Que acha tudo natural. 

(Poema de Ana Terra, musicado por Joyce)


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Contradições


"Sinopse: A obra literária de Maria Teresa Horta tem frequentemente contribuído para alterar modelos estéticos ou comportamentais instituídos e tem muitas vezes sido, ao longo dos últimos trinta anos, um sinalizados de mudanças essenciais, quer de âmbito literário, quer inclusivamente de alcance social.

O romance A Paixão Segundo Constança H. traz consigo toda a violência e todo o sofrimento daqueles a quem coube em sorte viver num mundo de transformação, onde os valores tradicionais da família e os afectos que nos tínhamos habituado a considerar mais estáveis resvalam pouco a pouco para um terreno movediço e irrespirável.

A Bertrand Editora, que se orgulha de inaugurar com a presente obra a nova série da colecção "Autores da Língua Portuguesa", entende assim prestar homenagem a uma escritora de excepcional qualidade, que o circunstancialismo das modas e a desmemória de muitos remeteram nos últimos tempos para uma relativa e injusta obscuridade.

A Paixão Segundo Constança H. de Maria Teresa Horta"


Fonte: wook

 


Está longe o dia em que se pode exprimir a opinião livremente, sob qualquer forma.

Mesmo num mundo que gira em volta do capitalismo, o valor da tradição interfere sempre no limiar da aceitação...

[relacionado com o post anterior]



domingo, 22 de agosto de 2010

Teresa Horta acusa Bertrand de «censura»


(25 FEV 10 às 16:48)

"A escritora Maria Teresa Horta acusou hoje a editora Bertrand de «censura», por lhe ter «guilhotinado» 500 exemplares do romance A paixão segundo Constança H., depois de ter dito que o livro estava esgotado

«Se tinham os livros, porque é que não os punham nas livrarias? Se havia pessoas a querer comprar, porque diziam que estava esgotado? Não queriam que o livro estivesse à venda! Isto é censura! Faz lembrar os tempos de antes do 25 Abril. Censura a um autor, não é sequer a um livro…», lamentou a escritora, em declarações à Lusa, à margem do encontro literário Correntes d’ Escritas, que decorre na Póvoa de Varzim.

A Lusa contactou telefonicamente a Bertrand para conhecer a posição da editora em relação à acusação, mas não foi possível ainda recolher qualquer reacção de responsáveis da empresa.

Maria Teresa Horta alerta, ainda, que, «por lei, não podem guilhotinar um livro, sem consultar o autor», que tem o direito de adquirir os exemplares.

«Tenho o direito a comprar os livros. Quem lhes disse que eu não queria? Não tenho um exemplar na minha mão», indigna-se a escritora, dizendo que este episódio lhe deixou «uma sensação de morte muito próxima, como se fosse um filho nosso que está morto».

«Isto não é possível! É incrível que se guilhotinem livros. Ainda há seis meses Moçambique pedia livros. Vão mudar o acordo ortográfico para nos aproximar, mas há necessidade de livros em Moçambique e Cabo Verde e preferem guilhotiná-los. Isto para já não falar em bibliotecas e escolas pelo nosso país inteiro que querem livros e não têm», observa.

Foi a propósito de uma intervenção do público que assistia à 2ª mesa do encontro literário, sobre livros de Eugénio de Andrade que tinham sido guilhotinados, que Maria Teresa Horta resolveu falar publicamente sobre o assunto.

No final, explicou à Lusa que o episódio aconteceu «há três, quatro meses, no final do ano passado», mas «já vinha de trás», já que à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), a Bertrand dizia «que havia livros em armazém», mas, nas livrarias, «dizia que o livro estava esgotado».

«Durante muito tempo, o que aconteceu foi que a Bertrand não dava contas à SPA, dizendo que havia livros em armazém e, quando chegávamos as livrarias, diziam que o livro estava esgotado, inclusive nas livrarias Bertrand», descreveu.

De acordo com Maria Teresa Horta, uma professora de uma universidade brasileira chegou a procurar os livros para levar para o Brasil, «porque havia pessoas a fazer mestrado sobre o livro e não o tinham», e «na Bertrand do Chiado diziam que não havia o livro».

A escritora revela que, num almoço em que teve ao lado o director da Bertrand, perguntou-lhe «se estava esgotado ou não», tendo depois recebido um telefonema «a dizer que o livro estava esgotado e a perguntar se queria reeditar o livro com eles, só que, em vez da Bertrand, seria a Quetzal».

Maria Teresa Horta voltaria a falar com a SPA, que volta a contactar a Bertrand, e a editora responde dizendo que «afinal o livro não está esgotado».

Vários contactos depois, a escritora recebe um telefonema da SPA «a dizer ‘recebemos um e-mail, o seu livro acaba de ser guilhotinado, 500 exemplares’». "


Fonte: Lusa / SOL
Outras fontes: TSF, PÚBLICO, RTP, A BOLA, IOL.



Descobrir mais sobre Maria Teresa Horta:



quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SUECA – O Jogo dos Homens


Depois de um bom churrasco (através do qual o macho conseguiu comprovar a sua masculinidade) para dar continuação ao dia dos homens, ele deve participar entusiasmadamente no jogo Sueca. É que, na verdade, a organização de um churrasco, por si só, não é suficiente para o homem se afirmar enquanto macho. Todas as acções e palavras que saem de uma boca masculina servem, precisamente, para demonstrar esse facto: “Eu sou homem, [piii]!”. Assim, este é um jogo de afirmação masculina, tanto que teimam em que permaneça um autêntico mistério para as mentes femininas.



Com o tampo da mesa limpo de quaisquer impurezas que possam sujar as cartas e com uma boa pinga por perto para encher o copo e aquecer a garganta (o vinho aqui não é considerado impureza, já que beber é de macho e, como este se trata de um outro adereço tão masculino, é considerado, antes, um agente purificador. Ser possuidor de cartas com manchas de vinho é um orgulho!), estão reunidas, com mais três jogadores, as condições necessárias para o início deste jogo épico.



Digo épico porque é bem ao jeito de uma batalha de gladiador. De súbito, no momento da distribuição das cartas, vemos o local onde decorre o jogo transformado numa arena romana, onde cada um dos intervenientes terá de lutar pela sua vida. O que ganhar ganha não só o carimbo da masculinidade, símbolo de uma superioridade em relação à mulher, mas também o carimbo da grandiosidade, símbolo de uma superioridade em relação a todos os homens, isto é, uma superioridade suprema.



Como vemos, este jogo tem um propósito muito específico que, ao contrário do que se pensa, não é o de servir o entretenimento masculino enquanto as mulheres arrumam e vasculham a vida dos vizinhos. O que leva um homem a querer participar na Sueca é o mesmo que o leva a assistir a um jogo de futebol com outros homens, em especial, de clubes directamente concorrentes do seu. Desmistificando, trata-se da oportunidade de poder insultar e gritar com os outros jogadores/espectadores sem, com isso, sofrer qualquer punição ou pôr em risco a amizade com qualquer um deles (um pouco à semelhança do que se vê diariamente na assembleia da república). Como se vai dizendo, “amigos, amigos, negócios à parte”.



Assim, para vencer os seus amigos (que visão tão viril), o homem socorre-se de vários meios. O primeiro, no fundo, o desencadeador de todos os outros, é precisamente o vinho. Embora não se perceba muito bem, este agente purificador tem também o poder de permitir a quem o bebe saltar a regra mais importante do jogo: o silêncio. A partir do momento em que o vinho torna possível a comunicação verbal durante o jogo, toda a sua dinâmica muda.



O recurso à fala torna, por consequência, praticável o recurso ao tão útil palavrão. Também a arte de usar um palavrão em cada frase, distribuição de cartas, jogada ou contagem de pontos é uma forma do macho se aproximar da arte de o ser. E, se conseguir proferir uma frase apenas com recurso a palavrões tratar-se-á de um herói, um exemplo a seguir, “Um grande homem!”.



O palavrão é, claramente, um incentivo à discussão intensa e com decibéis superiores aos de um qualquer estádio de África do Sul repleto de adeptos da vuvuzela. Estas discussões, normalmente, surgem quando a sua equipa perde e são utilizadas simplesmente para esclarecer quem é, dentro da equipa derrotada, o melhor jogador. É claro que, se a sua equipa perder, a culpa não é sua, é sempre do seu companheiro de equipa. Ora um diz que o outro é burro e que não percebeu os sinais, ora o outro diz que esse é que tem de ser mais específico. No final, nunca se chega a perceber realmente de quem foi a culpa. Percebe-se, apenas, que a outra equipa joga melhor, porque, como é óbvio, ganhou (não para os homens, porque, quando a outra equipa ganha é, simplesmente, porque teve sorte).



Porém, neste jogo onde a regra do silêncio é interrompida pela comunicação verbal, há, ainda, a resistência da comunicação não verbal. Falo dos murros e pancadas confiantes que o homem sente necessidade de dar numa ou outra jogada, de quando em quando. Calma, calma! Não o fazem por estarem chateados, fazem-no simplesmente para mostrar que têm a certeza que vão ganhar (mesmo que não a tenham). No fundo, acaba por funcionar um pouco como o bluff no Poker, com a pequena diferença de, na Sueca, ser inconsciente. Mas têm a certeza que vão ganhar porquê? Porque são superiores aos outros, são invencíveis. Por isso, têm de os ganhar, quanto mais não seja, pelo método da intimidação. “Se ele consegue dar um murro daqueles na mesa sem partir os ossos e sem se magoar, imagine só o que me pode fazer a mim se lhe ganho!!”



Assim, no final de comunicações verbais, palavrões, discussões e competições de murros na mesa em prol da salvaguarda do masculino em cada macho, apesar de haver uma equipa que, em termos numéricos, ganha, na prática, quem ganha é o macho e a masculinidade tão superiores quando comparados com a fêmea e a feminilidade. Desta forma, a mulher tem de felicitar o homem por este feito e cumprir a sua obrigação. Limpar a arena romana, a quaisquer horas que o combate tenha terminado, enquanto o homem se prepara calmamente e triunfante para o seu sono de herói, faz parte da sua recompensa.